PRELÚDIOS-INTENSOS PARA OS
DESMEMORIADOS DO AMOR
I
Toma-me. A tua boca de linho sobre
a minha boca
Austera. Toma-me AGORA, ANTES
Antes que a carnadura se desfaça em
sangue, antes
Da morte, amor, da minha morte,
toma-me
Crava a tua mão, respira meu sopro,
deglute
Em cadência minha escura agonia.
Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo,
lento,
Um sol de diamante alimentando o
ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro
urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a
vida
A vida se derramando. Cíclica.
Escorrendo.
Te descobres vivo sob um jogo novo.
Te ordenas. E eu deliquescida:
amor, amor,
Antes do muro, antes da terra, devo
Devo gritar a minha palavra, uma
encantada
Ilharga
Na cálida textura de um rochedo.
Devo gritar
Digo para mim mesma. Mas ao teu
lado me estendo
Imensa. De púrpura. De prata. De
delicadeza.
II
Tateio. A fronte. O braço. O ombro.
O fundo sortilégio da omoplata.
Matéria-menina a tua fronte e eu
Madurez, ausência nos teus claros
Guardados.
Ai, ai de mim. Enquanto caminhas
Em lúcida altivez, eu já sou o
passado.
Esta fronte que é minha, prodigiosa
De núpcias e caminho
É tão diversa da tua fronte
descuidada.
Tateio. E a um só tempo vivo
E vou morrendo. Entre terra e água
Meu existir anfíbio. Passeia
Sobre mim, amor, e colhe o que me
resta:
Noturno girassol. Rama secreta.
III
Contente. Contente do instante
Da ressurreição, das insônias
heróicas
Contente da assombrada canção
Que no meu peito agora se entrelaça.
Sabes? O fogo iluminou a casa.
E sobre a claridade do capim
Um expandir-se de asa, um trinado
Uma garganta aguda, vitoriosa.
Desde sempre em mim. Desde
Sempre estiveste. Nas arcadas do
Tempo
Nas ermas biografias, neste adro
solar
No meu mudo momento
Desde sempre, amor, redescoberto em
mim.
IV
Que boca há de roer o tempo? Que
rosto
Há de chegar depois do meu? Quantas
vezes
O tule do meu sopro há de pousar
Sobre a brancura fremente do teu
dorso?
Atravessaremos juntos as grandes
espirais
A artéria estendida do silêncio, o
vão
O patamar do tempo?
Quantas vezezs dirás: vida, vésper,
magna-marinha
E quantas vezes direi: és meu. E as
distendidas
Tardes, as largas luas, as
madrugadas agônicas
Sem poder tocar-te. Quantas vezes,
amor
Uma nova vertente há de nascer em
ti
E quantas vezes em mim há de
morrer.
Hilda
Hilst
lido
por Goreti Dias
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