quinta-feira, 26 de junho de 2014

António Nobre



Georges! anda ver meu país de Marinheiros,
O meu país das naus, de esquadras e de frotas!

Oh as lanchas dos poveiros
A saírem a barra, entre ondas de gaivotas!
Que estranho é!
Fincam o remo na água, até que o remo torça,
À espera de maré,
Que não tarda aí, avista-se lá fora!
E quando a onda vem, fincando-a com toda a força,
Clamam todas à uma: "Agôra! agôra! agôra!"
E, a pouco e pouco, as lanchas vão saindo
(Às vezes, sabe Deus, para não mais entrar...)
Que vista admirável! Que lindo! que lindo!
Içam a vela, quando já têm mar:
Dá-lhes o Vento e todas, à porfia,
Lá vão soberbas, sob um céu sem manchas,
Rosário de velas, que o vento desfia,
A rezar, a rezar a Ladainha das Lanchas:

Senhora Nagonia!

Olha acolá!
Que linda vai com seu erro de ortografia...
Quem me dera ir lá!

Senhora Da guarda!

(Ao leme vai o Mestre Zé da Leonor)
Parece uma gaivota: aponta-lhe a espingarda
O caçador!

Senhora d'ajuda!
Ora pro nobis!
Caluda!
Sêmos probes!

Senhor dos ramos
Istrela do mar!
Cá bamos!

Parecem Nossa Senhora, a andar.

Senhora da Luz!

Parece o Farol...

Maim de Jesus!

É tal e qual ela, se lhe dá o Sol!

Senhor dos Passos!
Sinhora da Ora!

Águias a voar, pelo mar dentro dos espaços
Parecem ermidas caiadas por fora...

Senhor dos Navegantes!
Senhor de Matuzinhos!

Os mestres ainda são os mesmos dantes:
Lá vai o Bernardo da Silva do Mar,
A mai-los quatro filhinhos,
Vascos da Gama, que andam a ensaiar...

Senhora dos aflitos!
Martyr São Sebastião!
Ouvi os nossos gritos!
Deus nos leve pela mão!
Bamos em paz!

Ó lanchas, Deus vos leve pela mão!
Ide em paz!

Ainda lá vejo o Zé da Clara, os Remelgados,
O Jéques, o Pardal, na Nam te perdes,
E das vagas, aos ritmos cadenciados,
As lanchas vão traçando, à flor das águas verdes,
"As armas e os varões assinalados..."

Lá sai a derradeira!
Ainda agarra as que vão na dianteira,..
Como ela corre! com que força o Vento a impele:

Bamos com Deus!

Lanchas, ide com Deus! ide e voltai com ele
Por esse mar de Cristo...

                         Adeus! adeus! adeus!

António Nobre
lido por Ana Maria Oliveira

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