O RIBEIRO E EU
I
Além há um ribeiro. É uma modesta
linha de água que – dir-se-ia – vai
passando,
deixando de si sinais
inconcludentes.
Engano. Porque, em manhãs como
esta,
há uma nevoazinha que se solta dele
e alastra lentamente pelos prados,
destinada a que o vento (quando o
há)
a dissipe de todo.
E essa névoa basta para por rodas
dentadas
aos solavancos dentro da minha
cabeça.
II
Lembra-me as baforadas de vapor
que me saem da boca ao respirar
o ar frio da manhã.
E não cessam aí as semelhanças
entre o ribeiro e eu: ambos
movediços,
trazemos de nascença caminhos a
cumprir.
Existe contudo uma diferençazinha:
eu trago comigo o ónus dos palpites
e nunca deixo de parafusar
para que raio de lugar me levam os
meus passos,
e quem encontrei nesse lugar,
e para que serve afinal esse lugar,
e mesmo se haverá algum lugar –
enquanto o ribeiro, mais sensato,
está-se nas tintas para essas
bagatelas,
limita-se a ser água e a correr.
A.M.
Pires Cabral
Resumo,
a poesia em 2013
Ed
DOCUMENTA, Fnac
lido
por Miguel Leitão
Sem comentários:
Enviar um comentário