sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

AS PEDRAS DA MINHA INFÂNCIA


AS PEDRAS DA MINHA INFÂNCIA

De pedras eram as ruas
e as ribanceiras,
 e deixavam cicatrizes nos joelhos e na testa
— os trambolhões
de tanto correr e tropeçar!

Pelos cantos,
pedras soltas da calçada,
esburacada pela testeira dos carros de bois
e das carroças,
ao passar.
Havia as que voavam contra os cães
e as galinhas,
e contra os pássaros
— o prazer de fazer força,
de chegar longe e de acertar!

Algumas,
levavam a esperança
de que uma pera ou uma noz caíssem,
ou uma maçã,
para haver que se trincar.

De pedra, a aldeia toda,
dos muros esboroados
ao córrego que se arrastava no leito,
queixoso da pouca água que era.
De pedra o largo,
as velhas casas e a fonte.
E o monte,
também,
de carreiros bordejados de giestas e rosmano
a dar branco e roxo ao cinza.

Até o ar era de pedra,
nos dias frios de inverno:
escuro, pesado,
insalubre,
periclitante
como abóbada de granito moído,
já podre,
ameaçando ruir.

De pedra eram as ordens na escola
e em casa,
inflexíveis!
E a autoridade! E as normas,
sem haver uma exceção a aligeirar
a pressão de tal rigor!

E os homens, de pedra eram,
resistindo à adversidade e ao tempo:
gente dura,
de “antes quebrar que torcer”!
Peito rijo,
alevantado a fazer frente,
ânimo e caráter bem firmes
— a honradez da palavra dada!

Infância dura, a minha!
De pedra,
mas que o sol arredondava,
amaciava e compunha,
e doirava!

O brilho não se apagou, nunca,
nem sequer esmaeceu.

Esplendecente,
ainda hoje!

Miguel Leitão
 29 de Dezembro de 2013

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