quarta-feira, 12 de julho de 2017

ATÉ DEPOIS


ATÉ DEPOIS

Depois da noite, o dia chega-me sempre como uma nova ameaça, despido de esperanças, mas resisto a deixar-me levar pelas ondas do abandono em que a minha fraqueza física me quer lançar. Espero, como sempre, por ti, agora mais do que nunca, porque não me sobra tempo para esperar. E, por fim, chegas, reconheço os teus passos cuidadosos e ternurentos. Trazes contigo aquele ar de falsa normalidade com que me queres salvar e então renasço novamente. As palavras, essas saem-te obliquadas entre o receio de dizeres algo a mais ou a alegria incontida de me trazeres qualquer coisa nova. Como te leio da primeira à última página e te pressinto a caminhares em mim há demasiado tempo! Mas não o suficiente, anseio pelo menos por mais uma metade de tudo o que já demos um ao outro.

Então, inventámos jogos de palavras para aprender a dizer medo, raiva, tristeza, angústia, saudade, morte, amor...cancro... Deus, mesmo naquelas alturas em que coragem me morre por dentro e sei que a presença da minha ausência te marcará um dia. E aí, ao pé de ti, não anoiteço e estas manhãs são sempre descobertas de coisas que ainda preciso de saber sobre ti para levar comigo e de coisas sobre mim que quero deixar contigo.

Por vezes, ousas perguntar se tenho medo. Na altura própria dir-te-ei, mas não te quero assustar e viro-te as costas para que o teu sorriso me venha abrir a porta da esperança. Agarras-me as mãos e calaste para me proteger da dor, minha e tua. E, no incómodo do silêncio as palavras ganham, outra dimensão, ficam, coxas, enfraquecidas e cheias de dores, numa cumplicidade com este meu corpo que se vai entregando. Mas, sabes, a Vida é possível mesmo com dores e com a morte logo ali à espreita. E nesse mesmo silêncio tornamos legítimo o espaço à tristeza, à angústia e ao medo.

Por vezes sufoco com as saudades que irei ter de ti, do teu toque, do teu cheiro. Como vou dormir sem aquele teu abraço protector sobre mim? Com quem vou passear de mãos dadas ou dedos entrelaçados? E já não conto os dias que marcam a minha vida, deixaram de querer acreditar, porque é tarde demais para voltar atrás. Os meus olhos, esses riem para que os teus não detectem, sofrimento.

Não pergunto os porquês, mas questiono por vezes se tudo não passa de um sonho. Olha, vamos comprar uma viagem, mesmo que saibamos que só tu a irás realizar, eu partirei contigo mas noutra direcção. Vamos viver um momento de eternidade, um segundo de esperança, para que quando eu acordar tu ainda estejas aqui. Sim, porque eu não quero adormecer com saudades na escuridão ou acordar cedo demais e dizer, vou morrer hoje. Não, não quero que deixes morrer a vida em que estivemos vivos, quero isso sim que escrevas no meu obituário - Ela me amou.

- E tu, vais-me amar? Antes ou depois?

Sempre, em qualquer instante! Responder-te-ei - e durante toda a minha vida.

Nelson Neves

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