sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

O PESO DA PAISAGEM


O PESO DA PAISAGEM

Escuta, como se fossem nódoas no olhar,
Os defuntos acordes da sombra.

Enche a planície de um silêncio frágil, glabro,
Como se fosse o plano-sequência de ausentar-se
Dos émulos da paisagem, dos ecos, das arestas
Urdidas por dentro, das intonações de si mesmo,
Do mundo dito em desluzidas e ocas metáforas.

Calca os torrões e circunvaga pelas ervas da biografia.
Quase como quem caminha
E rasga o mapa represo da solidão.

Perscruta o som de bronze das palavras, a sua carnação
De estátuas nas adjacências doutras estátuas,
Retira-lhe peso, alisa-o até que seja sopro
Nas vértebras noturnas do vento.

Sob o círculo ileso de riscadas sílabas de aves
Aproxima-se dos mecanismos das migrações
Estendidas sobre a tarde,
Submerge no corpo do estio, fendido nos tumultos
Da cal nos hortos de arrabalde, frutificados e completos.

Ao rés do eixo da indivisa velocidade
Do por dizer nos cós das páginas
Está um gato da cor do sul
Que se lhe situa ao diante dos dedos
E o faz deslizar para um sono alheio
Sobre a cartilagem frondosíssima do horizonte.

Luís Filipe Pereira
in “A Arte pela Escrita nove - colectânea de prosa e poesia”

lido por Dionísio Dinis

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