sexta-feira, 19 de agosto de 2016

O BEIJO da DECÊNCIA


O BEIJO da DECÊNCIA

Lembras-te Anita?
Quando chegaste,
no rosto trazias o sorriso da primavera
e na cabeça
tranças loiras com lacinhos coloridos
tão coloridos como cortejo em dia de festa.
Abriste os braços
e nos teus passos miúdos de 6 aninhos,
correste para mim,
eu sorri,
abri os meus
e em passos incertos de 4 anitos
corri para ti,
pus-me em bicos de pés,
apertei-me no teu abraço
e beijei o sol no teu rosto.

Foi o último beijo decente da minha vida!

No dia seguinte entrei para a escola
e aprendi a arte do fingimento:
Com Maquiavel
estudei a arte de complicar para dominar
e com Hipócrates
aprendi a caldear dever com negócio
na arte do engano com sorriso nos lábios.
Com Peter
aprendi o princípio da incompetência
e fiquei a saber
que por muita asneira que façam
políticos incompetentes
nunca ficam a perder.

Por devoção,
beijei a mão do padre da nossa aldeia,
e nela depositei um tostão
por conta dos trinta dinheiros.

Já mestre,
beijei mulheres, fingindo-me homem,
abracei amigos, fingindo-me amigo,
cometi erros e apontei terceiros.

Digo-te Anita,
quando Luísa despiu a saia
e atravessou a rua de calças
fê-lo para ocupar o cadeirão do chefe,
e fê-lo por obrigação,
mas há muito trazia no cérebro
o adn dos homens.
Nesse dia,
Luísa alcançou o magistério da competência,
ganhou poder e influência,
mas à noite…
à noite Luísa chegou derreada,
pousou a pasta,
desapertou a gravata,
beijou os filhos
e fingiu ser mãe dedicada.

Quando se deitou,
Luís amou Luísa
e Luísa fingiu ser mulher amada.

Diz-me, Anita:
- Que ganhou a nossa aldeia
obrigar Luísa a largar a saia
e sentar-se no cadeirão?
- Crianças à deriva,
saltando de mão em mão
aprendendo contra o tempo
a arte do fingimento;
- Meninos prematuros,
sábios aos 10 anos,
perdidos e inseguros,
dependentes aos 13 anos.
Sabes, Anita
agora que somos adultos
e mestres na arte do faz de conta
rimo-nos da nossa decência,
porque nascemos na tempo da inocência,
mas todos sabemos que sempre foi assim:
Quando eva seduziu adão,
não foi carência de amor que sentia,
mas, sim,
fome de poder que o paraíso proibia.

Digo-te, Anita:
- Acredito que um dia
voltaremos ao sorriso da primavera,
mas até lá,
é dos teus passos, a lembrança
do teu sorriso, a inocência
do meu aperto no teu abraço, a esperança
do teu abraço no meu abraço, a carência
do sol no teu rosto, a saudade
no meu último beijo de decência!

Angelino Santos Silva

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