terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

DESTA VARANDA O MAR


DESTA VARANDA O MAR

Desta varanda, o mar
é apenas um coração
que pulsa. Rouco, na escuridão.

Diante do mar, o infinito
fica ali
ao alcance da mão.

Ao mar ainda
ninguém pediu
o registo de nascimento.

Para vir a terra, o mar
não precisa
de passaporte.

Esta manhã, ao levantar-se, o mar
esqueceu-se
de se pentear.

Preciso de uma chave que ara
o cofre onde o mar
guarda os seus segredos.

Para ler nas estrelas, o mar,
de noite, pede emprestados
os olhos aos navios.

Velozes, as ondas
procuram a praia: regressam
a casa?

Os barcos são aves
que perderam as asas.
Raso é o seu voo.

A saudade do cais não é de pedra,
é de água. Que o digam os olhos
dos que partem, dos que ficam.

Diz o vento
ao mar: sem mim
não podes voar.

Devolvi ao mar os búzios,
as conchas e os corais. Os filhos
são património dos pais.

As esculturas que a água
esculpe na rocha pertencem
ao museu do mar.

Para ser mastro de navio
precisas, primeiro,
de ser árvore.

O mar está
enfurecido: pediu açúcar
e deram-lhe sal.

Pergunta ao mar se ainda
se lembra
que já foi rio.

O mar invade às vezes
a terra: procura os peixes servidos
à mesa dos homens.

Vitorioso, o mar abraçou
a terra, vestiu-se de azul e encomendou
uma faixa branca – um colar de espuma.

Se eu fosse um coral, pedia
ao mar
que me trouxesse ao peito.

Disse a terra
ao mar: cala-te,
quero dormir.

Albano Martins

Lido por Eduardo Roseira e Alzira Santos

Sem comentários:

Enviar um comentário