terça-feira, 28 de outubro de 2014

Há um rancor que brota das coisas paradas



Há um rancor que brota das coisas paradas
Tenho esse germe comigo, epidémico e impune

Tudo é mais belo de dentro deste cárcere, as asas
Tudo é lá fora qualquer espécie de desígnio, largueza

Em mim, é o musgo, são as mãos impossíveis e gradeadas
Rodam parafusos de fungos, larvas escorregadas de unguentos

Cravo essa humildade sangrada no ferro das avantesmas,
o cárcere insalubre que ascende trespassado o pus

O tempo avança recuado de paredes eternamente fuliginosas
Ascendo-as de unhas pela insipiência granítica dos ossos

Talvez lá fora qualquer luar de veludo e as minhas asas, portas
Talvez qualquer sonho varejado de mariposas livres, espiráculo

Arrisco as fachadas, as evasões e os mortes que recobram
Deito-os em mantos de areia na esperança das vagas, cubro-os

Insistem o sal, os urinóis fétidos esvoaçados de traças

Fundamento a temporização desse voo oblíquo e sulfuroso,
o deslizamento dos telhados pelas poeiras levitadas

Ide-vos, fujam

Os símbolos descrevem a repetição pelas miragens apegadas,
as sombras que resvalam caleiras dissecadas e titubeiam nomes,
teimam ampulhetas coagulam de gestos, chaves

Ficam

Os sons das asas escrevem em mim certos nomes contínuos
Insisto-os pelas lápides descarnadas, minhas frases de pássaro
Talvez um dia voe e saiba ler-me sem palavras, flutue

Tudo é mais sentido de dentro deste cárcere, o vento

Urdo gritos de lã no coração das gárgulas e pereço a pedra
Morro em cada dia as larvas pelas travessias sepultadas

Sofro estas gaiolas eternas nas asas dos meus braços, o ferro,
os alfinetes perfurados nas córneas que ditam as estrelas

Sofro o estigma das paredes invisíveis, o firmamento, as luas
A distância entre as asas e os gestos, o chão da minha água

13 de maio 2014 
Manuela Carneiro

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